Inquilinos em Assembleias

Parece cada vez menor a discussão acerca do direito do inquilino participar de uma assembleia. Mas não deveria.

Parece que essa questão já está pacificada, não se permitindo o ingresso de inquilinos nas assembleias, porém vejamos o que determina o parágrafo 24 da Lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações:

Art. 24. Haverá, anualmente, uma assembleia geral ordinária dos condôminos, convocada pelo síndico na forma prevista na Convenção, à qual compete, além das demais matérias inscritas na ordem do dia, aprovar, por maioria dos presentes, as verbas para as despesas de condomínio, compreendendo as de conservação da edificação ou conjunto de edificações, manutenção de seus serviços e correlatas.

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§ 4º – Nas decisões da Assembleia que não envolvam despesas extraordinárias do condomínio, o locatário poderá votar, caso o condômino-locador a ela não compareça.

Lembrando que despesas extraordinárias são aquelas que se entendem como as que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente, ou seja, que devem ser arcadas pelos proprietários, conforme artigo 22, parágrafo único da Lei 8.245/91, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos.

Então, o entendimento é que, em assembleias em que não haja discussão sobre despesas que devem ser arcadas pelos proprietários e que estes não estejam presentes, os inquilinos dessa unidades poderão votar, mesmo sem procuração.

Vejamos o que diz o artigo 2º do Decreto-lei 4.657/42, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, antiga Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro:

Art. 2º – Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º – A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º – A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º – Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

O Código Civil não revogou expressamente a Lei 4.591/64, além de não ser incompatível com ela e não regula inteiramente a matéria que era tratada em seu conteúdo.

Vejamos o exemplo dos conselhos:

Art. 23. Será eleito, na forma prevista na Convenção, um Conselho Consultivo, constituído de três condôminos, com mandatos que não poderão exceder de 2 anos, permitida a reeleição.

Parágrafo único. Funcionará o Conselho como órgão consultivo do síndico, para assessorá-lo na solução dos problemas que digam respeito ao condomínio, podendo a Convenção definir suas atribuições específicas.

A Lei de 64 tratava o Conselho Consultivo, em seu artigo 23, utilizando-se do comando normativo na modalidade obrigatória, pelo simples fato de utilizar o verbo “será”.

Já o Código Civil, em seu artigo 1.356 trata o Conselho Fiscal na modalidade permissiva, verificada na palavra “poderá”:

Art. 1.356. Poderá haver no condomínio um conselho fiscal, composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico.

Em nenhum dos casos as leis excluem a outra modalidade tratada, de sorte que podemos afirmar categoricamente, que o Código Civil não regulou inteiramente a matéria.

Outro exemplo pode ser observado com relação ao artigo 9º da Lei 4.591/64 e os artigos 1.332 e 1.334 do Código Civil.

Art. 9º – ………..

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§ 3º – Além de outras normas aprovadas pelos interessados, a Convenção deverá conter:

a) a discriminação das partes de propriedade exclusiva, e as de condomínio, com especificações das diferentes áreas;

b) o destino das diferentes partes;

c) o modo de usar as coisas e serviços comuns;

d) encargos, forma e proporção das contribuições dos condôminos para as despesas de custeio e para as extraordinárias;

e) o modo de escolher o síndico e o Conselho Consultivo;

f) as atribuições do síndico, além das legais;

g) a definição da natureza gratuita ou remunerada de suas funções;

h) o modo e o prazo de convocação das assembleias gerais dos condôminos;

i) o quórum para os diversos tipos de votações;

j) a forma de contribuição para constituição de fundo de reserva;

l) a forma e o quórum para as alterações de convenção;

m) a forma e o quórum para a aprovação do Regimento Interno quando não incluídos na própria Convenção.

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Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III – o fim a que as unidades se destinam.

Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

II – sua forma de administração;

III – a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações;

IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;

V – o regimento interno.

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Pode-se concluir que, após o estudo minucioso dos artigos citados, que eles se complementam em alguns aspectos, mais uma vez não sendo possível se afirmar que os dois mais recentes regulem inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Portanto, pode-se concluir sem a menor sombra de dúvidas que “o locatário poderá votar, caso o condômino-locador a ela não compareça”.

Vivam a vida, e até a próxima.

Ivan Horcaio

Professor e palestrante com mais de 20 anos de atuação nas áreas do Direito Condominial e Direito Imobiliário, é autor de mais de 12 obras jurídicas, atuando junto a condomínios, administradoras de condomínios e imobiliárias