Mais uma vez volto a entrar no assunto da LGPD nos condomínios, reforçando que ainda há muito barulho e fumaça e pouco fogo nessa questão.
De um lado vemos empresas implantadoras da LGPD lembrando aos síndicos das consequências, multas e eventuais processos, e que na hora de explicar como se dá a implantação, percebemos que podem entender muito de LGPS, mas nada de condomínios e, de outro lado, pessoas, como eu, que entendem muito de condomínio mas nada da LGPD.
Neste artigo vou tratar de uma questão que tenho visto nos meus estudos sobre o assunto, que trata da incidência da LGPD no o condomínio edilício, uma vez que poderia ser enquadrado como “controlador”, ou seja, o agente que realiza o tratamento de dados como coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, processamento, arquivamento, eliminação, modificação ou transferência de informações relacionadas à pessoa natural identificada ou identificável.
O condomínio reúne condições de fato e de direito para ser atraído à órbita de incidência normativa de boa parte da LGPD?
A dúvida procede porque, embora o condomínio realize tratamento de dados pessoais de condôminos, visitantes, empregados e demais frequentadores do prédio (como nome, RG, CPF, endereço, e-mails, filmagens das câmeras do circuito interno de TV, registros de reclamações, infrações e multas condominiais), ele não ostenta personalidade jurídica, de acordo com o código Civil, artigo 44.
O do inciso VI do artigo 5º da LGPD, em harmonia com o artigo 1º, define o controlador como a “pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado”, que realiza tratamento de dados. Nesse ponto, o condomínio não é nem uma nem outra.
Em primeiro lugar, o condomínio não é pessoa jurídica. Quanto a pessoa natural, deixa para lá.
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
…………………..
Além disso, o condomínio não exerce atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços no mercado, de modo que não possui “faturamento”, base de cálculo das multas pecuniárias previstas na LGPD (artigo 52, incisos II e III).
O condomínio, também, não se encaixa em nenhuma das exceções do artigo 4º, que exclui a incidência da LGPD quando o tratamento de dados pessoais for realizado por pessoa natural, com objetivos particulares e não econômicos ou finalidade jornalística, artística, acadêmica, de segurança pública, defesa nacional e atividades de investigação e repressão de infrações penais.
Mesmo assim, entendemos que a LGPD é, em princípio, aplicável ao condomínio. A situação dele ser ou não uma pessoa jurídica tem sido debatida no âmbito doutrinário. O enunciado n° 246 da III Jornada de Direito Civil, nesse contexto, preconiza que “deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”.
Portanto, para fins de enquadramento como controlador, a verificação do exercício concreto da atividade de tratamento de dados aparece como um fator muito mais importante do que a simples existência ou não de personalidade jurídica. Ao invés de forçar a barra dogmática para incluir o condomínio como pessoa jurídica, parece mais adequado visualizá-lo como aquilo que ele sempre foi para o nosso Direito Civil: uma universalidade de direito, organização que, apesar de despersonalizada, reúne em si um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico, funcionando como centro autônomo titular de direitos e obrigações, inclusive com capacidade processual, segundo o artigo 1.348, II, do Código Civil e o artigo 75, XI, do Código de Processo Civil – CPC. O condomínio é passível, no meu entendimento, de ser submetido à LGPD.
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
………………..
XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico.
……………………….
Apenas acredito que a LGPD carece de um decreto ou um regulamento que determine e oriente as partes com relação à sua aplicação.
Quanto à questão da incompatibilidade das multas pecuniárias da LGPD em relação ao condomínio, realmente, a base de cálculo de tais penalidades é o “faturamento”, inexistente na hipótese do condomínio, que não é empresário e nada comercializa. O condomínio possui receita, composta pelos valores das cotas condominiais pagas pelos condôminos, que, simplificando, é a divisão das despesas pelas unidades que o compõe, simples assim.
Outra coisa que é preciso esclarecer é como seria possível aplicar ao condomínio as sanções legais de obrigação de fazer, como o bloqueio e a eliminação de dados pessoais, assim como a suspensão total ou parcial da atividade de tratamento ou do funcionamento de banco de dados (artigo 52, incisos V, VI, X, XI e XII da LGPD).
Seja como for, a regulamentação do regime sancionador da LGPD aplicável aos condomínios é um tema, dentre muitos outros, com o qual a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem que se debruçar e resolver.
Vivam a vida, e até a próxima.